domingo, 18 de agosto de 2019

Olá meus queridos seguidores, hoje vou falar um pouquinho sobre três estilos muito usados na escrita universal. São formas diferentes no dizer artístico literário. Abraços e vamos ao assunto:

LÍRICA, NARRATIVA E DRAMA

       "O que forma o conteúdo da poesia lírica" -- esclarece Hegel na sua Estética --, "não é o desenvolvimento de uma ação objetiva alargando-se até aos limites do mundo, em toda a sua riqueza, mas o sujeito individual e, por conseguinte, as situações e os objetos particulares, assim como a maneira segundo a qual a alma, com os seus juízos subjetivos, as suas alegrias, as suas admirações, as suas dores e as suas sensações, toma consciência de si própria no seio deste conteúdo". A lírica, com efeito, não representa o mundo exterior e objetivo, nem a interação do homem e deste mesmo mundo, assim se distinguimos fundamentalmente da narrativa e do drama. A poesia lírica não nasce do anseio ou da necessidade de escrever o real que se estende perante o eu, nem do desejo de criar sujeitos independentes do eu do poeta lírico, ou de contar uma ação em que se oponham o mundo e o homem, ou os homens entre si. A lírica enraíza-se na revelação e no aprofundamento do próprio eu, na imposição do ritmo, da tonalidade, das dimensões, enfim, desse mesmo eu, a toda a realidade. Ao lírico é impossível exilar-se de si mesmo, alhear-se da sua interioridade a fim de se outrar, como diria Fernando Pessoa, a fim de criar seres e coisas que alcancem um subido grau de distanciamento em relação ao sujeito individual. O mundo exterior, os seres e as coisas não constituem um domínio absolutamente estranho ao poeta lírico, nem este pode ser figurado como um introvertido total, miticamente insulado numa integral pureza subjetiva. O mundo exterior, todavia, não significa para o lírico uma objetividade válida enquanto tal, pois representa um elemento da criação lírica somente enquanto absorvido pela interioridade do poeta, enquanto transmudado em relação íntima. O acontecimento exterior, quando está presente num poema lírico, permanece sempre literalmente como um pretexto em relação à natureza e ao significado profundo desse poema: o episódio, a circunstância exterior podem atuar como elementos impulsionadores e católicos da criação, mas a essência do poema reside na emoção, nos sentimentos, na meditação, nas vozes íntimas, enfim, que tal episódio ou tal circunstância suscitam na subjetividade do poeta.
          "Na poesia lírica não existe uma história para contar, nem o poema pode despertar no leitor o desejo de saber como vai (ACABAR) esse mesmo poema". O caráter não narrativo e não discursivo da poesia lírica acentuou-se sobretudo com o simbolismo, que rejeitou o pendor descritivo dos parnasianos e advogou uma estética da sugestão: em vez da linguagem direta, com que expressamente se nomeia o real, a linguagem alusiva, que envolve de mistério os seres e as coisas; em vez do traço preciso e delimitador, a evocação sortílega.
          2 -- tanto a narrativa como o drama se diferenciam da lírica, por representarem o mundo objetivo e a ação do homem considerada nas suas relações com a realidade externa. A narrativa define-se essencialmente por representar, segundo as profundas palavras de Hegel, a totalidade dos objetos, isto é, por representar "uma esfera da vida real, com os aspectos, as direções, os acontecimentos, os deveres, etc., que ela comporta". Deste modo, manifesta-se na narrativa uma necessária polaridade entre o narrador e o mundo objetivo, perfeitamente antagônico da atitude lírica. Com efeito, o desígnio central que rege o romance é a vontade de objetivar um mundo que possua nítida independência em relação ao romancista -- desejo e prazer de objetivar personagens, acontecimentos e coisas. Entre este mundo objetivado e o romancista podem estabelecer-se múltiplas relações -- ódio, ternura, nostalgia, etc. -- mas estas relações não aniquilam a fundamental autonomia das criações romanescas: o romancista, mesmo quando se deixa dominar por um impulso confessional, tende sempre a desligar do seu eu uma humanidade com vida e características próprias. A presença ou ausência do romancista na sua obra, problema tão debatido entre os partidários do romance subjetivo e do romance objetivo, constitui um fator irrelevante para a apreciação da alteridade básica existente entre o autor e o mundo objetivado no seu romance. Balzac, cujo eu está omnipresente nos seus romances, desde os comentários constantes que tece acerca das figuras e dos eventos até ao modo como constrói as personagens, traduziu com justeza o caráter da referida alteridade, quando se definiu como o secretário da sociedade francesa do seu tempo -- mundo de vícios e de virtudes, de paixões e de lutas, de que ele, como secretário, erguia o minucioso inventário. Os heróis do romance, em muitos casos, podem constituir, como pretende André Malraux, virtualidade do seu autor, projeções dos seus estados de consciência, mas deve reconhecer-se que, mesmo assim, não se trata de um processo criador identificável com o da lírica.
          3-- Tanto o romance como o drama apresentam personagens situadas num determinado contexto, em certo lugar e em certa época, mantendo entre si mútuas relações de harmonia, de conflito, etc. Estas personagens revelam-se através de uma série de acontecimentos, podendo contar-se a "história" de um romance ou de um drama (mas nunca de um poema lírico). Apesar destas semelhanças existentes entre ambas as formas de expressão literária, o romance e o drama apresentam caracteres distintos muito profundos, quer relativos à estrutura interna, quer relativos à estrutura externa. O drama, por sua vez, procura representar também a totalidade da vida, mas através de ações humanas que se opõem, de forma que o fulcro daquela totalidade reside na colisão dramática. Por isso, como escreve Hegel, a verdadeira unidade da ação dramática "não pode derivar senão do movimento total, o que significa que o conflito deve encontrar a sua explicação exaustiva nas circunstâncias em que se produz, bem como nos caracteres e nos objetivos em presença".

Trecho de textos extraídos da obra "Teoria da Literatura".
Autoria: Vítor Manuel de Aguiar e Silva.

Bom meus queridos visitantes e seguidores, noutro momento continuarei com este tema que deveras se faz tão importante aos interessados em literatura e suas estruturas. Abraços e até a próxima!

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