quarta-feira, 14 de maio de 2014

UM POUCO SOBRE A VIDA DE MIGUEL DE SERVANTES SAAVEDRA

                    Saudações meus queridos leitores, hoje vou falar-lhes um pouquinho sobre este que sem dúvida nenhuma é um dos maiores nomes da literatura universal. Miguel de Cervantes Saavedra, o cavaleiro da triste figura. Bem, esse gênio da literatura, nasceu em Alcalá de Henares, em 1547. Há algumas dúvidas sobre a data exata de seu nascimento, mas supostamente se acredita tenha sido no dia 29 de setembro do corrente ano, mas seu aniversário é comemorado em 9 de outubro.
                     Filho de dona Leonor de Cartinas, e Rodrigo de Cervantes, cuja profissão era cirurgião. Quando completou 20 anos de idade, miguel acompanhava o pai  de um lugar a outro como seu ajudante. Desse período não se sabe muita coisa sobre a vida do escritor, mas, acredita-se que por estas datas, o autor de DON QUIXOTE, tenha se dedicado às muitas leituras e aprendizados... Vendo, ouvindo e lendo, recheou seu espírito nas imaginações de muitos heróis fabulosos.
                     Talvez tenha estudado obras e biografias de grandes nomes das artes e famosos poetas, como Homero, virgílio e tantos outros clássicos. Em 1569, Cerantes está em Roma, na vida livre da livre Itália; nutrindo-se do renascentismo, letras brilhantes e fausto social. Por esta época ele compôs a seguinte quadra:

                                  Ó grande, ó poderosa, ó sacrossanta
                                  alma cidade Roma! A ti me inclino
                                  devoto, humilde e novo peregrino
                                  à quem admira ver beleza tanta...

Foi soldado no terço de Moncada, ás ordens do capitão Diogo de Urbina. Em 1571, joão andré Dória, Marco-Antônio Colona e dom Álvaro Bazán, velhos cabos de guerra, estavam concertando planos com dom João de Áustria, irmão bastardo de Felipe, moço da mesma idade de Cervantes, a comandar aqueles veteranos e experimentados alunos de Marte.
                        Trezentas naus velejavam para Corfu. Miguel, 24 anos, vai na galera Marquesa. Na manhã de 7 de outubro, um grito de armas agitou deusadamente a tropa que enchia a nau. Doente, febril, recolhido ao leito, o jovem soldado atendeu o alarme. Intimado a voltar a seu recolhimento, respondeu ao capitão: - Ponha-me v.m. no sitio que seja mais perigoso e ali estarei e morrerei pelejando.
                         Não era uma frase feita: era um pedido de batismo, que Urbina deferiu. Esteve e pelejou. Três arcabusadas feriram no peito e na mão esquerda, que lhe ficou inútil para sempre e lhe valeu o apelido de Manco de Lepanto. Ferido no corpo e trazendo esfacelada a mão, Cervantes cumpria seu primeiro desejo, ou a primeira injução de seu destino: era soldado. E teve uma recompensa que sempre é grata ao lutados: a visita de ferido e valente, que lhe fez o capitão Urbina e dom João de Áustria, o herói maiúsculo  da façanha.
                       Acreditava que tinha vocação militar e que era homem de fazer, mirando sempre á atividade nos seus planos. As letras, para ele, não passavam de ocupação divertida, solácio e desenfado de lazeres, promovidas a refúgio e instância fundamental quando se viu falhado como realizador. Então se gloriou nas musas, como quando fez dizer Apolo, na Viagem do Parnaso:

                                 Bien sé que en la naval dura palestra
                                 perdiste el movimento de la mano
                                 izquierda, para glória de la diestra.

Passada Lepanto, ainda assistiu quatro anos nas guarnições de Itália. Esteve em Túnis e Goleta. Depois, armado de cartas que lhe deram dom João e o duque de Sessa, rumou de volta à pátria. Eram missivas que falavam ao rei de sua bravura e méritos,  recomendando nele o homem talhado para capitão. Mas tais empenhos deram pelo avesso. Embarcado na galera Sol, foi apressado com ela, junto à costa marselhesa, por um tal Mami o Coxo, renegado e irmão de renegado, Arnaute Mamí, pirata de argel.
                       Cinco anos, 1575 a 1580, passou naquele purgatório de cristãos, entre 25.000 outros companheiros. As cartas, com serem de tão grandes personagens, fizeram que imaginassem grande, aquele esperançoso soldado da má fortuna. E que demandavam preço maior no resgate. por cinco anos tolerou a vida de escravo, conspirando e tentando fugas, planejando levantes. Falhou sempre; e não falhou a vida, por sentenças de suas rebeldias, porque seu destino era: não morrer antes dos trinta, alcançar quase setenta, escrever Dom Quixote e ser imortal.
                      Descoberto e atalhado nos planos de fuga, era sempre perdoado, embora pedisse para si os méritos de responsabilidade, como cabeça dos intuitos e intentos em que associava companheiros. Dizia o rei da terra que tinha segura a cidade, a baixela e os cristãos, quando tinha quieto o Manco de Lepanto.
                      Quanto se apressara a galera Sol, também se achava nela, com Cervantes, um seu irmão, Rodrigo, mais moço. Regressavam juntos. Era, pois, seu irmão e matelote, como diria Diogo do Couto. Juntos estavam cativos em Argel, enquanto a família,  desde a pátria, aquela pobre família sempre nas embiras, provia dinheiro para o resgate. Ajuntada uma primeira quantia, foi libertado o mais barato dos dois, esquecendo Miguel dois anos mais, até que um dia enfim, em 1580, foi comprada ao argelino a vida e pessoa daquele maneta.
                       Aqui ficaria bem um poeta iluminar com muitas ênfases o estado de alma do herói que regressa e revê a pátria, dez anos passados. Herói paciente e sem decepções, na virilidade experiente dos trinta e três anos, merecido e disposto para o prêmio de sua bravura.
                       Estranhar-se-á que tenha custado tanto, Espanha resgatar tão nobre filho. mas, cumpre dizer, ele não passava de um entre milhares. Seu nome, hoje, em nossa lembrança e afeto, brilha mais do que Lepanto ou dom João de Áustria; mas, àquela hora, sua importância era a mesma de algum pracinha. Como herói  e mutilado, era apenas mais um, numa Espanha cheia de Miguéis assim e maiores ainda.
                      tomado aquela fantasia pessoal que nos toma, no quilatar de nossos méritos, ele esperava muito, baseado nas recomendações que lepanto lhe valera. Esperar, esperou. Esperou em Valência, esperou em Madrid, esperou em Lisboa, para onde fora o rei. O taciturno Filipe não enxergando nele, séculos em fora, o maior gênio de seus domínios. As cartas recomendavam, mas cinco anos de distância e cativeiro tinham dado tempo a outro clima.
                      Talhado e desatendido, Cervantes lembrou-se  de que era poeta. Escreveu Galatéia e escreveu comédias. Falhou. É muito difícil de as letras nutrirem; costumam, sim, emagrecer. Chega nosso homem aos 40 anos em 1587. Sancho Pança, que não sabemos onde estava, interpela Quixote, no vazio de sua vida prática, pela inutilidade dos sonhos heróicos e a vaidade incompensada das musas. Então Miguel se faz homem de empresas, filho de seu mundo. Primeiro trata de casar com uma senhora de Esquívias, dona de alguma posse e alguns títulos, chamada Catalina de Salazar Palacios y Vozmediano. Em homem de tal idade e tais apertos, esse casamento devia ser casamento de razão. Nela, com dezenove anos, resistindo à oposição famíliar, deve ter sido casamento de coração, ou simplesmente casamento de mulher.
                       Deu tudo, no entretanto, em sem-razão. Os bens da senhora de Esquívias eram fungíveis ou confortantes para quem se quisesse deixar oculto na província. Ela, por exemplo, dona e moça, não sairia dalí senão depois de vinte anos. Mas o futuro biografo de Quixote, desacostumado a climas rarefeitos, ouvia, melodioso o apelo das vias que levam à urbe, à praça agitada, ao paço, às oportunidades que os gênios  procuram. Achou andanças e falências e cadeias, não lhe socorrendo os bens familiares, de que não se valeu e com que não lhe valeram.
                     Diz Ledesmas que a mulher tinha, parece, um tio de apelido Alonso Quijada. A ser fato, ela teria trazido, ao gênio do marido, extra-dote, o melhor dote que jamais levou mulher, em casamento. Filipe II planejava arrancar Inglaterra às mãos da filha de Henrique VIII, aquele Isabel de quem se escreveu que foi o mais lúcido e firme dos homens políticos de seu tempo. Cervantes foi nomeado aprovisionador da esquadra que invadiria as ilhas. Eram mais de 130 navios dos maiores de então, mais de 2.500 canhões e mais de 30.000 homens. Anteciparam a vitória. Chamando-lhe a Invencível Armada. E, como era invencível, Filipe teimou em dar-lhe por comandante um antigo corredor de touros, o velho duque de Medina-Sidônia.
                     Em julho de 1588, zarpava de lisboa. Seis dias de mar picado, e muitas dúzias de brulotes incendiários dos piratas bretões, desfizeram um grave sonho de História. Morreram mais de 20.000 homens. Nem um tocou o solo inglês. Cervantes, o que logrou, além do espanto universal, foi uma excomunhão do cabido de Sevilha, à conta de uns trigos eclesiásticos que requisitara. Era o começo de sua trapalhadas administrativas, cujo termo se achou no cárcere, algumas vezes.
                     A fecundidade da pena representa, nas oscilações, as horas de desengano do homem prático, em busca de alguma salvação material ou, pelo menos, consolo de males. Acumulou uma vasta obra. Ricardo Rojas afirma que Cervantes deixou mais versos do que Manrique, Santillana, Castillejo, Boscán, Herrera, Góngora e outros.
                    Em 1590, quase vinte anos depois de Lepanto e a dez anos do cativeiro, resolveu tentar o caminho das Índias, quer dizer da América, refúgio e amparo dos desesperados de Espanha, dizia ele na petição. Suplica a mercê de um ofício nas Índias, (em Granada, Guatemala ou Cartagena) argumentando que servira sua majestade vinte e dois anos, em jornadas de mar e terra, e que, para tal mercê, era homem hábil, suficiente benemérito. Negaram-lhe o solicitado.
                    Negaram-lhe o solicitado e nosso egoismo agradece ao governo espanhol a repulsa com que frustou esse último golpe de funcionário falido. Que seria de Quixote, se vinha Cervantes para a América? Ao genial criador, faltavam-lhe mais decepções e mais sofrimentos em que sazonar e cristalizar as formas, o corpo e a alma dos dois maiores tipos da literatura. Faltava-lhe ter falido como soldado, escritor, homem de empresas e homem de honra (pois na cadeia começou a obra) até que nos criasse, desbastando, abstrato, idealizado no tempo e no espaço, o Cavaleiro substancial, concreto, humano, imortal, eterno, sublime, ridículo.
                    Entre 1585, ano da morte de seu pai e aumento de seus encargos, 1605, ano da publicação de Dom Quixote, encontramos o Príncipe dos Engenhos lidando como funcionário, poeta, teatrólogo, novelista, homem de infortúnios e hóspede dos cárceres de sua terra. Hospedou-se neles quatro ou cinco vezes, em Sevilha, em castro del Rio, em Argamasilla de Alba. O motivo eram atrasos e alcances. Mas o fato de ele ir da função ao cárcere e do cárcere à função parece estar provando duas coisas: Cervantes era honesto e o cárcere era fácil.
                     Na primeira prisão de Sevilha, em 1597, teria ele encontrado o autor de Guzmán de Alfarache, Mateo Alemán, vítima também de contas mal prestadas. Ledesma chega a imaginar que naquela cadeia, onde havia para 1800 detidos, a mesma pena com que um terminara o Guzmán servira ao outro para começar Dom Quixote.
                    Ainda em 1605, ano da glória, o ano da publicação e das seis edições imediatas de sua obra, Cervantes foi levado ao cárcere, uma última vez, por força da ironia e da maldade. Morava ele numa casa de cômodos, junto a parentes e vizinhos, quando lhes surgiu à porta, pedindo socorro, um moço nobre de nome Ezpeleta, figura donjuanesca mui notada em Valladolid, vítima de uma estocada noturna, e a ele enviada  por um escrivão que buscara no sangue o desagravo de marido atraiçoado. Recolheram, agasalharam e pensaram o moço, que morreu em dois dias. Por espírito de classe, um juiz chamado Villarroel, em grosseira e nojosa trama, que salvasse a pele e o pelo do escrivão, fez prender a cervantes como culpado da morte. Ainda faltava isso a este homem de 58 anos!
                    Declarada sua inocência, foi residir a Madrid os últimos dez anos de sua vida gloriosa e pobre. Teve ali, seu vizinho Félix Lope de Vega Carpio (1562-1635) e incrível autor de mil comédias. Enchia ele a península com seu nome, sua popularidade, sua vida barulhenta, seus melindres geniais. Com quarenta e poucos anos, acha-se no alto esplendor de sua fama e plenitude. Sua vida cruzara, mais de uma vez, com a de Cervantes. Não o compreendeu nem aceitou. Em 1604, nas vésperas da publicação de Do Quixote, conhecido em Sevilha por divulgação mano a mano escrevia o autor de "Fuente Ovejura":.. ninguno hay tan malo como Cervantes ni tan necio que alabe a Dom Quijote.
                  Era a voz da incompreensão e do despeito, da alegria genial, encontradiça em artistas. Lope viu crescer deslumbradamente o nome de Cervantes, até emparelhar, até superar o seu renome de autor milimultíparo.
                  A glória visita-o aos 60 anos, mas não lhe tirou a companhia da pobreza. É irmão terceiro, franciscano e escravo do SS. Sacramento. Publica, em 1613, as Novelas exemplares e, em 1614, a Viagem do Parnaso. Apareceu naquele ano o falso Quixote: Segundo tomo del ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha... compuesto por el licenciado Alonso Fernández de Avellaneda... O prólogo da obra era um veneno atirado ao nome de cervantes. A obra, de si, chata, incolor. O antropónimo "Avellaneda" era um criptônimo e ainda não foi decifrado pelos eruditos.
                  É de imaginar o calor que lhe subiu àquele velho batido de decepções, ao ser ludibriado na criação prima de seu gênio. Trabalhou febrilmente. Em 1615 publicava a Segunda parte de Quixote, maravilhosa continuação, em que vêem alguns, substancia ainda mais fina do que a da primeira parte.
                  Em 1616, terminou a sua última produção, Persiles y Sigismunda. A 23 de abriu de 1616, vitimado de hidropisia, afeccão cardíaca ou arteriosclerose, morria o marinheiro, o geógrafo, o economista, o viajor, o jurista, o filosofo, o estilista. Morria o poeta sobre quem tem contendo peregrina ( feito Homero) nada menos de sete cidades. Lope de Vega, o Fênix dos Engenhos, desde muito reconciliado com o vizinho, foi rezar um responso de corpo presente em sufrágio da alma do Príncipe dos Engenhos.

                  Bom, meus queridos leitores, isso foi um pouquinho da vida desse que tanto nos orgulha, por sua literatura maravilhosa e imortal. Abraços a todos e até a próxima postagem!

              
               

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