quinta-feira, 21 de novembro de 2019

                                                       HANS CHRISTIAN ANDERSEN

                                  Biografia do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen

         Mas o que direi da tocante casinha na pequena madorrenta cidade dinamarquesa de Odense, na ilha de Fyn, onde Hans Christian soltou seus primeiros vagidos? Um quarto onde viviam o pai -- um sapateiro remendão -- a mãe e uma ninhada de crianças. Uma pobreza tão grande que, à guisa de lençol, punham-lhe no berço um pedaço de pano, que pouco antes, servira para cobrir o ataúde de um nobre.
        O grande acontecimento(grande para nós) deu-se em 2 de abril de 1805. Onze anos depois os pulmões fracos do sapateiro deixaram de resistir. A mãe ficou só. O seu fardo era demasiadamente pesado, e por isso procurou consolo encontrando-o afinal naquelas garrafas de gim com as quais gastava todo o dinheiro que os vizinhos bondosamente lhe davam, de vez em quando, para sustentar a família.
        Mas a centelha divina, adormecida na alma daquele meninozinho, não podia deixar de brilhar, pois aqueles a quem o bom Deus tocou hão de cumprir seu destino de todos os "handicaps" e indignidades. Em meio a sua pobreza desesperada estava sempre construindo pequenos teatros de bonecos, onde podia representar as peças de Shakespeare e de seu compatriota, o famoso Ludvig Holberg, a quem deram a merecida alcunha de Molière da Escandinávia.
          Ainda muito criança viu-se na necessidade de ganhar a vida. Pretendiam por Hans Christian como aprendiz em casa de um alfaiate, pois o mundo sempre precisará de alfaiates e era um modo de ganhar a vida tão bom ou tão mau ou tão bem como qualquer outro. Mas o menino não quis. Queria ser um cantor de ópera -- nada menos do que isso! -- Um cantor de ópera. Toda cidade riu. Os dinamarqueses gostam muito de rir, não só de seus próprios vizinhos como do mundo em geral. A Dinamarca é um país pequeno e talvez seja esse um meio de que os dinamarqueses lançam mão para se protegerem contra os inimigos, pois todo o país da Europa, que vive pacificamente, contentando-se em tratar de sua vida, sempre tem uma porção de inimigos.
           Quando a criança pode realmente ir até a capital para se apresentar com suas ambições, na porta dos atores do Teatro Real, foi alvo de uma porção de zombarias. Consideraram-no um lunático. Uma espécie de louco inofensivo, mas que não seria bom deixar em liberdade. Foi morar numa água furtada. Passou fome, as continuou a cantar até que a voz mudou. Só então compreendeu que a carreira no palco estava fora de questão.
            Por conseguinte, resolveu tentar ganhar a vida com a outra extremidade de seu grotesco corpo e deixar que os pés exprimissem o que as cordas vocais se recusavam a dizer.
           Como dançarino, Hans Christian falhou, como falhara como tenor. Parecia que só lhe restava mesmo a mesa de alfaiate. Contudo Copenhague, especialmente naquele tempo, era ainda uma pequena cidade e um menino que tinha o aspecto estranho e as aspirações de Andersen facilmente se tornou alvo da curiosidade. O rei Frederico VI, que então devia  conhecer de vista metade de seus fiéis habitantes de Copenhague, interessou-se por ele. Mandou o rapaz para a escola, a fim de ter alguma instrução.
         Ter-se-ia o rapaz aplicado diligentemente aos estudos e aprendido do seu "amo, amas, amat"? Longe disso. Foi o desespero dos professores, prestava muito pouca atenção às lições e perdia tempo escrevendo uma péssima novela, que tinha o extraordinário título de "O Fantasma da Sepultura de Palnatoke".
         Em 1829, Andersen voltou a Copenhague, ainda passando fome mas saboreando, de vez em quando, uma boa refeição em casa de um rico comerciante rico e bondoso, um certo Jonas Collin (os nomes de tão raros benfeitores da humanidade devem se sempre lembrados) que, desde a chegada de Andersen à capital tinha "visto alguma coisa naquele menino". Collin permaneceu amigo dele durante toda sua vida, a despeito de alguns hábitos exasperante de Hans Christian e de certas singularidades que enraiveciam e, ainda chegou a ver o dia em que o mundo teve de confessar que ele estava com a razão.
        Mas ninguém suspeitava quantas qualidades possuía aquele filho de um sapateiro tuberculoso de Odense e de uma ébria. Porque, após publicar uma ou duas novelas de pouco mérito, e de cometer uma porção de asneiras, dando-se ao ridículo, Hans Christian conseguiu finalmente arrancar uma pequena quantia de um rico protetor a fim de poder viajar, ver mundo e conhecer a humanidade.
        Essa espécie de pensão era absurdamente pequena. Comparada com ela uma bolsa de estudos moderna é uma fortuna, mas de um ou de outro modo essas poucas centenas de táleres trouxeram maior recompensa a seu doador do que todos os milhões que agora gastamos com aquelas ambições sem talento, que parecem ser um sub produto de toda democracia bem organizada. Pois, pouco depois de ter Andersen voltado de suas peregrinações (que o levaram até Roma) apareceu um pequeno volume, que continha uma coleção de histórias de fadas. A princípio essas histórias quase passaram despercebidas. Depois, aqui e acolá, algumas pessoas começaram a perguntar umas às outras: -- Já leu a história da "Guardadora de Gansos", a do "Patinho Feio" e aquela do rei que saiu sem as calças? Em breve o livro estava nas mãos de todo o mundo e, repentinamente, a Europa inteira ouviu falar da Dinamarca, porque a Dinamarca produzira aquela raríssima forma de gênio literário -- um homem capaz de escrever "verdadeiras histórias de fadas".
          O resto dessa história incrível é sabido de todos. Os dinamarqueses continuaram a divertir-se imensamente à custa de seu poeta "famoso". As nações pequenas nunca são muito carinhosas para seus grandes homens e Andersen também foi alvo dos escarnecedores de café. Felizmente havia nele um traço de ingênua presunção que o impedia de compreender sua verdadeira situação. Convencido da sua genialidade, conformou-se com essas zombarias, assim como com todas as honras que começavam a chover sobre ele. Por exemplo, gostou muito e sentiu-se profundamente agradecido, mas não surpreso, quando no fim de sua visita à Inglaterra, no ano de 1874, o próprio Charles Dickens em pessoa veio apresentar-lhe as despedidas. Tomava parte em mexericos de café com um sem número de principelhos alemães, ouvia os louvores que lhe teciam as afetadas esposas destes, aceitava condecorações e medalhas, mas absolutamente não se admirava de isso lhe acontecesse. Toda sua vida acreditara em São Nicolau. Que havia de extraordinário em que esse bom santo tivesse chegado um pouco atrasado?
          E assim Andersen passou o resto de seus dias fumando satisfeito o longo cachimbo de porcelana, receando as novas invenções, que perturbavam o mundo pacífico que ele conhecera e amava como uma criança, lendo as novelas que ele mesmo considerava muito melhores do que suas histórias de fadas, sendo bem recebido em todos os lares da mais encantadora e civilizada das cidades. Pelo que sei, ele poderia ter continuado essa vida até os cem anos de idade, mas infelizmente, na idade de sessenta e sete anos apenas, caiu da cama, feriu-se gravemente e morreu três anos depois sem jamais ter recuperado a saúde.

(texto extraído da obra: VIDAS ILUSTRES de autoria de H. VAN LOO)
Postado pelo poeta: Júlio Dalvorine  

         

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